Cooperativa de agroextrativistas valoriza a biodiversidade do Cerrado e estimula o desenvolvimento rural sustentável
A edição de número 08/Dezembro/2014 do Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas - O Candeeiro, da destaque ao trabalho desenvolvido pela Cooperativa dos Pequenos Produtores
Agroextrativistas de Pandeiros, a Coopae. São cerca de 20 famílias que extraem
polpa de espécies do Cerrado para a produção de doces, conservas e até
substâncias com propriedades medicinais.
Segue na integra o conteúdo do referido informativo.Boa leitura!
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Extração do caroço do pequi, cuja polpa é saborosae rica em óleo insaturado, vitaminas e sais minerais |
Situada na região
Norte de Minas Gerais, a Cooperativados Pequenos Produtores Agroextrativistas de Pandeiros (Coopae) reúne cerca de 20 participantes
diretos que produzem polpa de frutos do Cerrado, tais como pequi, caju, cajuí e
cagaita; mel, óleo de pequi e de semente de sucupira; castanha, farofa e
condimento a base de pequi; e licor de jenipapo. Além disso, coletam no campo a
fava d'anta, de onde se extrai a rutina, substância com propriedades medicinais
amplamente utilizada por laboratórios nacionais e estrangeiros.
A cooperativa
está localizada na Área de Proteção Ambiental (APA) da bacia do rio Pandeiros,
que integra a bacia do rio São Francisco. Essa APA tem quase 400 mil hectares,
o que lhe rende a posição de maior unidade de conservação do estado de Minas
Gerais, e está inserida em uma região caracterizada pela diversidade de povos,
costumes e saberes tradicionais. Comunidades de veredeiros, geraizeiros,
chapadeiros, ribeirinhos e quilombolas ocupam o território há séculos e
empregam os recursos naturais do Cerrado de maneira sustentável – com os conhecimentos
tradicionais desenvolvidos.
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Envasada como conserva, a polpa de pequi pode ser consumida o ano todo |
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O mel de aroeira produzido pela Coopaetem propriedades antibióticas |
“Ao utilizarmos
frutos e plantas da região, valorizamos os produtos e conhecimentos locais e o desenvolvimento
rural sustentável, uma vez que a quantidade excedente não mais será desperdiçada,
e sim transformada em fonte de renda”, pontua o presidente da Coopae, Ailton Fernandes,
se referindo à terra coberta por frutos que acabavam se perdendo por falta de destinação.
Segundo ele, a quantidade excedente era tão grande, que nem os animais
silvestres que se alimentam desses frutos conseguiam prevenir o desperdício.
A
criação da Coopae, em 2008, foi fomentada pelo Instituto Estadual de Florestas
(IEF) – Área de Proteção Ambiental Pandeiros, no contexto do Projeto Pandeiros,
lançado em 2004. A
iniciativa pioneira tinha o objetivo de criar alternativas de renda para
comunidades dos municípios de Bonito de Minas, Januária e Cônego Marinho, que viviam
da produção do carvão de vegetação
nativa para siderúrgicas.
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Balneário de Pandeiros |
Essa
atividade impacta de forma negativa no meio ambiente e na sociedade, pois promove
o desmatamento, diminuindo a água das nascentes e extinguindo a mata original;
poluição do ar; mão de obra escrava; trabalho infantil; doenças respiratórias causadas
pelos gases, vapores de água e líquidos orgânicos que são liberados, restando
como principal resíduo o alcatrão.
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A preservação da natureza e fatos do cotidiano são temas recorrentes nas obras de Bauzinho |
Laurimar
de Jesus, mais conhecido como Bauzinho, da comunidade do Traçadal, trabalhava
com a extração de vegetação nativa do Cerrado para produção de carvão. Com a
proibição da prática, perdeu o emprego e voltou a direcionar seus esforços ao
cultivo da roça de sua família e à produção de farinha de mandioca para venda
na região. Ele passou a fazer parte da Coopae assim que essa nasceu, e entre
2010 e 2014, liderou a cooperativa como presidente. Hoje, ele é um dos
principais produtores de polpa de pequi. Além de agricultor, Bauzinho se
consagrou como poeta e contador de ‘causos’ dos festejos das comunidades
locais. É autor de 18 poemas que sabe “de cor e salteado” e de mais de 80 edições
de cordéis.
História
similar é a de José Gomes Lira, da comunidade de Barra de Mandins. Nego de Joel,
como é conhecido, trabalhou até 2008 com a extração de eucalipto para produção
de carvão vegetal. Nesse ano, as empresas ligadas ao negócio foram obrigadas a
fechar as portas, o que deixou muita gente sem trabalho. Foi nessa época que se
tornou apicultor e, em 2011, ingressou na Coopae. Hoje ele faz mel e é referência
regional na produção de licor de jenipapo. “Fabrico duas versões; uma com açúcar
e cachaça, para ser bebida, e outra com mel, que serve de xarope contra anemia
profunda, gripe e alergias, para abrir o apetite e fortalecer a raiz do cabelo”,explica.
Uma história de resistência
Com
apenas dois anos de atividade, a cooperativa rapidamente atraiu mais de 130 agricultores.
Em 2010, ano da extinção do projeto, esse número caiu para cerca de 20
cooperados, que hoje sustentam a Coopae e acreditam no seu desenvolvimento.
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Cooperados se reúnem, oficialmente, uma vez por mês |
Ao
lado de Bauzinho, Nego de Joel e Ailton, têm forte atuação na cooperativa,
desde sua criação: Ione Gonçalves, funcionária do IEF e moradora de Pandeiros
que oferece cursos de extrativismo; José Virgolino Oliveira Gomes (Dedé), da comunidade
de Barra de Mandins, principal produtor de mel e fava d'anta da região; e o
casal Conceição Imaculada (Cula) e José Antônio Guedes Alves (Cigano),
habitantes de Cabeceira de Mandins e produtores de polpa de pequi, caju, cajuí,
cagaita e mel. A cooperada Vicentina Bispo, ou Tina, como é conhecida, também
faz parte da Coopae desde o início. Moradora de Januária, ela se ocupa da produção
de doces, castanhas, farinhas, condimentos e óleos a partir do pequi, caju,
cajuí e da semente de sucupira.
Atualmente,
a casa de Bauzinho é o local de trabalho do grupo, que conta com equipamentos
de última geração para o processamento das polpas. Com o intuito de profissionalizar
ainda mais o trabalho desenvolvido, os cooperados estão em busca de um local
que possa se tornar a sede oficial da Coopae.
“Estamos
conversando com órgãos estaduais, entidades sem fins lucrativos e com o próprio
IEF para termos um espaço que propicie o aprimoramento da nossa atividade”,
conta Ailton. “A Coopae está crescendo e é preciso que a estrutura acompanhe
esse desenvolvimento. Atualmente destinamos 80% da produção para a alimentação
escolar, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae)”,
acrescenta.
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Cajuí, cajuzinho-do-cerrado ou cajuzinho-docampo são os nomes dados aos cajus nativos do bioma Cerrado |
Fé no
campo
Em meio a tantos
agricultores experientes, uma das integrantes chama a atenção pela pouca idade
e pelos olhos atentos. Ela é Luciana Ribeiro de Oliveira, da Comunidade das
Tabocas. Desde julho de 2014 está aprendendo com os cooperados mais antigos
como extrair polpas e armazená-las.
A jovem de 23 anos teve uma infância dura.
Foi obrigada a deixar a escola, aos 12 anos, para ajudar o pai na roça. Quem
conhece essa menina esbelta de traços delicados mal imagina como era sua rotina
até os 16 anos, idade em que se casou. “Acordava bem cedo para levar o gado para
pastar, tirar leite das vacas, fazer queijo, alimentar as galinhas, capinar...
A lista de afazeres era enorme!”,relembra. Mesmo
tendo sido impedida de estudar para trabalhar na roça, Luciana não guarda
rancor e não tem vontade de deixar o campo, o Norte de Minas, o Semiárido, para
tentar a vida na cidade grande. Em 2013, após participar do curso de Gestão de
Recursos Hídricos, foi contemplada com uma cisterna de placas para captação de água
da chuva para consumo humano. Isso facilitou a sua vida e a de sua família, uma
vez que passaram a contar com água de qualidade bem ao lado de casa, e não mais
a quilômetros de distância.Casada, mãe de
uma filha de cinco anos, cursando o 8º ano do Ensino Fundamental, hoje diz ter
recuperado sua juventude. “Está vendo esta foto aqui?”, pergunta, mostrando a
carteira de identidade. “Fiz esse documento aos 16 anos. Na foto pareço muito mais
velha do que hoje, não é mesmo?”. E ela tem razão.
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Luciana com a filha Geovanna e o marido Edinei |
Além do trabalho
junto à Coopae, Luciana se ocupa da criação de frango para venda e produção de
ovos, em parceria com o marido Edinei Carneiro da Silva. Nas horas livres
ensina sua filha Geovanna a ler e a escrever, deita-se na rede com olhar fixo
no horizonte, e suspira aos risos: “Minha vida está boa demais... Eu não largo
isso aqui é nunca!”.
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O entardecer na Comunidade das Tabocas |
Comprei um óleo de pequi em uma feira em BH , é maravilhoso!!!! Gostaria de comprar mais !!!!!!
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